Segundo o MPF, ambos teriam desviado recursos federais. Se condenados, terão que devolver recursos e ficarão inelegíveis.
O Ministério Público Federal (MPF) ajuizou duas ações de improbidade administrativa contra o ex-prefeito Edson Alves de Souza (Bodola), que administrou o município de Divino das Laranjeiras, no Leste de Minas Gerais, por dois mandatos consecutivos, de 2005 a 2008 e de 2009 a 2012. Também é réu nas ações o atual prefeito da cidade, Maicon Brito de Oliveira, que é sobrinho de Edson e o sucedeu na administração municipal, a partir de 2013. Eles são acusados, com outras 12 pessoas, incluindo mais três membros da família — a mãe, o irmão e um cunhado de Edson Alves de Souza —, de enriquecimento ilícito a partir do desvio e apropriação de recursos públicos federais. Se forem condenados, estarão sujeitos às sanções da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), entre elas ressarcimento ao erário, perda da função pública, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o Poder Público e receber incentivos fiscais ou creditícios de instituições públicas.
Na última quinta-feira (5), o MPF foi cientificado de decisão judicial que decretou a indisponibilidade de bens do anterior e do atual prefeito de Divino das Laranjeiras, assim como de outras oito pessoas, no valor de 1 milhão e cinquenta mil reais. O bloqueio atende pedido feito pelo Ministério Público Federal na primeira das ações propostas recentemente, que trata de irregularidades na aplicação de recursos transferidos pelo Ministério das Cidades, em 2009, para a pavimentação de três ruas da sede do município. A segunda ação também cuida de ilícitos praticados com verbas federais transferidas, em 2007, por meio de dois contratos de repasse, o primeiro destinado à implementação e melhoria na infraestrutura das áreas de shows e construção de praças e portais; o segundo, à pavimentação de ruas, totalizando R$ 976.008,11.
No primeiro caso, investigações conduzidas pela Controladoria-Geral da União (CGU) detectaram várias irregularidades na licitação, entre elas o fato de, em um único dia, o certame ter sido homologado, adjudicado, assinado o contrato administrativo, publicado o respectivo extrato e emitida a ordem de serviço para o início das obras. Na verdade, segundo o MPF, a licitação não passou de um processo simulado, “a fim de dar aparência de licitude a algo completamente ilegal”, qual seja, favorecer a Pavimentadora União, empresa fictícia, sem qualquer capacidade econômico-financeira ou operacional, que seria comandada de forma oculta pelo então prefeito Edson Souza.
A ação afirma que “o plano do requerido era desviar, como de fato desviou, em proveito próprio, os recursos federais recebidos da União”. Para isso, ele teria constituído a empresa em nome de dois “laranjas”, pessoas com instrução meramente formal, beneficiárias do programa Bolsa Família, que teriam sido usadas também na constituição de outras duas empresas, em Governador Valadares e Frei Inocêncio.
Outro indício da ligação do ex-prefeito com a empresa, segundo o MPF, “está no fato de que, um mês antes da licitação, foi lavrada, no cartório de registro civil e notas da cidade de Divino das Laranjeiras, procuração outorgando amplos poderes da empresa a um irmão do ex-prefeito Edson”. “Deve-se ressaltar que essa empresa, apesar de não possuir sede física, tampouco funcionários registrados, realizou várias obras no município durante a gestão dele.”
No que diz respeito às obras do contrato de 2009, o MPF afirma que, embora as ruas tenham sido efetivamente pavimentadas, não foi possível estabelecer o nexo causal entre os recursos federais pagos à empresa contratada e as despesas realizadas para a execução do serviço. Isso porque não foram encontrados quaisquer documentos relativos à execução físico-financeira das obras, imprescindíveis para se atestarem as medições e correspondentes desembolsos dos recursos.
Além disso, tratou-se de uma obra extremamente demorada, durante a qual a prefeitura jamais cobrou explicações da empresa contratada, como seria obrigação do órgão contratante. Para o MPF, a lentidão decorreu justamente do fato de que, enquanto o dinheiro era desviado, a obra era realizada com recursos do próprio município, obtidos por meio do Fundo de Participação dos Municípios.
Na movimentação financeira da empresa foram encontrados diversos saques em espécie, assim como transferências eletrônicas a três destinatários, entre eles Maicon Brito de Oliveira, atual prefeito de Divino das Laranjeiras, demonstrando, segundo a ação, que ele também teria se beneficiado do esquema fraudulento.
Maicon Brito de Oliveira, sobrinho de Edson e atual prefeito de Divino das Laranjeiras, além de ter recebido diretamente dinheiro da Pavimentadora União, ao assumir o comando da prefeitura, efetuou pagamento de uma parcela restante do convênio a essa mesma empresa, aderindo às condutas fraudulentas do seu antecessor. “O mesmo esquema se repetiu na execução de outros dois contratos de repasse, cujos valores alcançaram quase R$ 1 milhão, destinados a um município cuja população, em 2010, era de apenas 4.937 pessoas (Censo IBGE)”, destaca o MPF.
O primeiro contrato, firmado com o Ministério do Turismo, no valor de R$ 482.908,11, previa a construção de galpão e lanchonetes em espaço destinado à realização de festas folclóricas, exposição de animais e de artesanato e feiras regionais. No entanto, inspeção realizada pela CGU constatou que no local destinado às obras encontra-se de fato funcionando o almoxarifado da prefeitura, constituído por um grande depósito de ferramentas, equipamentos e restos de obras, não existindo qualquer registro de que já tenha sido realizado algum evento expressivo no espaço construído.
O segundo contrato, firmado com o Ministério das Cidades, no valor de R$ 493 mil, previa o calçamento de ruas nos distritos de Linópolis, Macedônia e Central de Santa Helena. Uma empresa com apenas quatro funcionários registrados foi a vencedora da licitação, que também apresentou graves irregularidades. E também nesse caso ocorreu atraso injustificado das obras: 36 meses a mais do que o previsto no contrato. Conforme relatório da CGU, nem a empresa apresentou qualquer justificativa para os atrasos e paralisações, nem a prefeitura cuidou de tomar as devidas providências, que autorizariam inclusive a aplicação de penalidades. “Na verdade, mais uma vez, o MPF aponta indícios de que as obras teriam sido executadas não pela empresa contratada, mas por servidores e maquinário da prefeitura”. Apesar disso, a empresa recebeu os recursos, após expedir notas fiscais atestando falsamente a execução dos serviços. E da mesma forma que no contrato anterior, após receber os pagamentos da prefeitura, além dos saques em espécie, a empresa efetuou transferência de uma das parcelas para a conta de mais um parente do ex-prefeito Edson Alves de Souza.
Edson Alves de Souza ainda responde, perante a Justiça Federal em Governador Valadares, a outras três ações de improbidade e a duas ações penais por crimes praticados no exercício do cargo de prefeito, já tendo sido condenado, com trânsito em julgado, na Ação Civil Pública nº 3197-24.2008.4.01.3813, por fatos ocorridos durante seu primeiro mandato.
Procurados pela equipe de reportagem do DRD na tarde de ontem, Maicon Brito e Edson Bodola não se manifestaram sobre assunto, dizendo não ter tomado conhecimento das investigações. “Não temos nada a declarar porque não recebemos nenhuma intimação e não temos conhecimento das acusações da MPF”, disse Maicon Brito, por telefone, destacando que naquele momento estava com o tio e o advogado.