Rodrigo Alvarenga Rosa apontou as condições inadequadas da estrada, e o caminhão com pneus carecas e não apropriado para o transporte de granito, como principais causas da tragédia
Fonte: Gazeta Online/Barbara Oliveira

Quais foram os erros que levaram a mais uma tragédia na BR 101? As investigações sobre o acidente que matou 11 pessoas em Mimoso do Sul ainda não foram concluídas, mas as mortes poderiam ter sido evitadas. Em entrevista ao Bom Dia Espírito Santo, da TV Gazeta, nessa terça-feira (12), o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pós-doutor em Engenharia de Transportes, Rodrigo Alvarenga Rosa, apontou as condições inadequadas da estrada, e o caminhão com pneus carecas e não apropriado para o transporte de granito, como principais causas da tragédia. Para ele, a BR 101 é “um barril de pólvora para acidentes”. Confira a entrevista abaixo
Olhando as fotos, o que o senhor observa de imediato?
A gente tenta entender como foi a dinâmica do acidente. Quando a gente olha as fotos, a primeira coisa que a gente repara é que os pneus não estão na condição adequada. É um veículo antigo, de 20 a 30 anos de idade, e se o pneu está nessa condição, imagina o sistema de direção desse veículo?
Esse pneu pode ter sido danificado na hora da freada do acidente?
Provavelmente para estar nesse nível, ele não foi danificado durante o acidente, apesar de uma outra foto mostrar uma freada muito forte. A gente percebe que o veículo está danificado só na parte da frente. Não é um veículo adequado para essa carga, é um veículo carga seca – todo liso e não tem posição de pega, não tem onde amarrar o cavalete em cima da carroceria. O que provavelmente acontece, mas é muito difícil afirmar, é que esse veículo derrapa na curva e atinge o micro-ônibus na lateral. Nesse momento, a carga ainda não caiu. Com a batida a carga cai. Não caíram só as placas, caiu o conjunto inteiro, as placas com o cavalete. É muito improvável que esse caminhão tivesse condições para amarrar o cavalete. É um caminhão tradicional, sem nenhuma adequação para esse tipo de carga. A carga inteira se solta do caminhão, se ela estivesse amarrada o caminhão teria tombado. Se a carga tivesse caído antes, provavelmente o micro-ônibus teria parado com o impacto da placa.
A carreta estava com pneus carecas?
Com certeza.
A velocidade do veículo que transportava granito também pode ter influenciado no acidente?
Com certeza pode, mas é uma situação mais difícil de ser dita. Na posição de frenagem teria que ser medido qual é a largura daquela marca de frenagem. Com essa largura você consegue saber se era o freio do caminhão ou do micro-ônibus, o pneu do caminhão é mais largo. Se foi do caminhão, ela tem sentido, porque é na saída da curva e ele escapa e pega o micro-ônibus que continua, as placas caem e por uma fatalidade encontra um outro caminhão. E, provavelmente, para aquele incêndio ter se alastrado tão rápido, o micro-ônibus bateu na lateral onde estão os tanques de combustível do caminhão.
Os sobreviventes dizem que o que matou as pessoas foram as placas de pedra que atingiram os passageiros do ônibus que estavam sentados do lado do motorista. Pode ter sido isso?
Pode ter sido, mas as placas não caíram na frente, caíram na lateral do ônibus. Muito provavelmente primeiro o caminhão bateu no ônibus e depois a carga caiu. Se a placa atingiu o micro-ônibus, duas coisas podem ser observadas. Se atingiu, as estruturas do micro-ônibus estão rompidas, e se rocha entrou, vão encontrar resquícios da rocha no chassi que sobrou do micro-ônibus.
Se essa carga tivesse amarrada corretamente ela não cairia?
Antigamente essas cargas de granito não eram amarradas. Tradicionalmente esse tipo de carga, quando o veículo escapa na curva, há uma tendência da carga escorrer pela lateral, mas o caminhão continua sua trajetória. Se a carga está amarrada, quando a placa tenta ir, ela derruba o caminhão. Isso faz até o caminhoneiro pensar “não posso estar em alta velocidade, porque se não eu caio junto com a carga”. Tem uma função até educativa nesse sentido.
Pelo o que senhor está dizendo, as características do acidente mostram uma série de irregularidades.
É muito difícil afirmar sem estar presente no local, são somente fotos, mas tem todo um indício de que era um veículo que não poderia estar circulando em uma rodovia.
Como deveria ser um caminhão para transportar esse tipo de carga?
A estrutura do cavalete deveria estar fixada diretamente na carroceria, isso evitaria bastante a tragédia. É um caminhão adaptado, antigo. Com a carga caída no chão, uma segunda coisa que é possível, é estimar o peso dessa carga. Que seria um segundo agravante, que por fotos não tem como afirmar. Você mais ou menos sabe quantas estão no chão, qual o peso de cada placa, dá para remontar isso.
Se a estrada fosse duplicada, a tragédia teria sido evitada?
Apesar dessa pista ter uma terceira faixa, você pode reparar que o desnível entre o que seria o acostamento, que praticamente não existe, e o pavimento, o solo, está alto. Mesmo que esse veículo tentasse sair, ele ia tombar. Essa estrada, se fosse duplicada, realmente não teria acontecido essa tragédia. Onde está a faixa branca, o acostamento é muito pequeno, e tem um desnível inadequado ali.
A BR 101 é de altíssimo risco. Por que o senhor afirma isso?
Dois motivos: tem um tráfego extremamente elevado, veículos grandes e extremamente pesados, e com uma pista simples. Isso é quase um barril de pólvora para acidentes. Isso muito antes da Eco 101 entrar. É quase inconcebível quando você traz um estrangeiro para o Brasil e vai com ele em um pista dessas, eles quase surtam, porque você ultrapassa vendo o próximo veículo na sua frente. Eles não admitem uma situação dessas. Aí entra a duplicação, que é uma obra cara. A BR 101 foi projetada para veículos bem menores, pelo volume de tráfego, ela está totalmente obsoleta. As curvas precisam ter raios maiores, precisam ser mais abertas, isso facilita, melhora a velocidade da estrada, dá maior visibilidade. O caminhão envolvido no incêndio não tinha espaço para escapar e tirar do micro-ônibus. Mas fato é que, se você andar numa velocidade correta, dentro do limite de carga correto, esses acidentes não aconteceriam. Não tem nenhuma fatalidade, é imprudência ao dirigir, ou trafegar em condições inadequadas.
É normal uma empresa assinar um contrato dizendo que vai duplicar toda a BR e depois voltar atrás dizendo que o movimento não foi o esperado? Isso é normal ou é quebra de contrato?
É muito discutido e não tem nada fechado sobre isso. Se você olhar as duplicações do Governo FHC, incluso aí a Rodovia do Sol, as concessionárias deveriam fazer toda a duplicação, todo o projeto, e quando estivesse pronto cobrava-se pedágio. A segunda opção é a empresa entrar, fazer um pavimento, botar olho de gato, dá uma melhorada na estrada e ir cobrando o pedágio. Depois de oito anos recebendo o dinheiro, você se capitalizou e então faz o investimento. No modelo anterior o pedágio ficava muito caro por que a empresa tinha que colocar dinheiro dela ou de financiamento para fazer a obra e só depois receber, mas em contrapartida o cidadão tinha a garantia de ter a estrada em melhores condições e só depois pagar. Nesse segundo modelo, no qual a BR 101 está incluída, a população está pagando pedágio, não existe um fundo soberano para onde esse dinheiro está indo, ele vai para a própria empresa, e depois de sete, oito anos é que vão começar as obras de fato. Você fica numa situação de judicialização para discutir o contrato e o governo não está com o dinheiro para fazer as obras. Essa opção foi feita para ter um pedágio mais barato.