Com detalhes precisos e muita memória, Neto Mendes mostra com grandeza de espirito e alma momentos especiais de uma rua diferenciada que marcou o seu tempo de criança em Mantena. As lembranças dos moradores da Rua João Pessoa e de um passado lindo quando a Terra Boa estava sendo construída e paralelamente uma geração buscava se adaptar vivendo e aproveitando todos aqueles momentos maravilhosos que estão sendo eternizados em Crônicas , dessa vez um tempo de sonhos e aventuras na Rua das Irmãs em Mantena…
A RUA DAS IRMÃS
Por Neto Mendes
A Rua João Pessoa também conhecida como Rua das irmãs começava lá em baixo e vinha em direção ao Colégio das irmãs morro acima, me lembro que lá embaixo morava o Dr. Edgar ao lado do rio, depois a casa da Tia Raimunda Fernandes, o Bar da tia Rosa numa esquina, a Praça da Matriz, a Casa de Saúde Mantena, o Grupo Antônio Carlos, a casa do seu Augusto Mattedi, a casa do sr. Hermínio dos correios, éramos vizinhos, morávamos na casa da esquina, depois a casa do Major Garcia, a casa da Tia Penha e do tio Galvão, casa do seu Alberto Ponzo, o colégio Estadual, a casa do Tio Adrião, a casa do tio Graciano, a casa da dona Augustinha que era vizinha ao colégio das irmãs e do outro lado morava o Juarez.
Era um morro de respeito, a rua era de terra onde aconteciam nossas aventuras e brincadeiras , com certeza era a rua com mais crianças por metro quadrado em Mantena. Tinha uma brincadeira muito perigosa adrenalina pura, não era para fracos, família do seu Augusto Mattedi foi uma referência em Mantena, eram muitos filhos com idades de uma escadinha: Clovinho, Renato, Dudu, Jerominho e mais duas irmãs.
Seu Augusto era Chefe de Obras da Prefeitura, muito engenhoso e muito amigo do meu pai no trabalho, na branquinha e nas pescarias, ele construiu um carro todo de madeira, rodas, freios, volante de madeira com uma carroceria grandes aberta que cabia além do motorista umas 5 crianças sentadas sem apoio para se segurar, ou você agarrava na borda do carro ou no parceiro mais próximo, o carro não tinha nada para faze-lo movimentar aí estava a intrínseca relação: movimento/morro/perigo.
O seu Augusto foi aprimorando o carro até chegar num modelo de ponta numa BMW. As crianças do morro ficavam eufóricas pela tarde para descer o morro no carro e sempre os filhos do seu Augusto que dirigiam, dificilmente deixavam outra pessoa dirigir, que era o desejo de todos pilotar a BMW morro abaixo, o freio era um pau de madeira quando movia para cima a madeira atritava no solo de barro para diminuir a velocidade, as vezes brecava e voavam meninos pra todos os lados, do chão não passava falávamos.
Vinha crianças de outras ruas era uma atração o carro dos seu Augusto, tínhamos que levar empurrando o carro morro acima atéééé o portão do Colégio das irmãs. Ufa! E põe morro nisso! Para ter o direito de descer tínhamos que ajudar a levar o carro até o topo eram tantas crianças para descer que tinha até senha e só podia descer uma vez e esperar todos descerem, se o acidente fosse perto da largada não importava perdia a vez, tinha que descer a pé o morro e esperar seu turno novamente.
Seria uma coisa normal essa brincadeira, mas não era. Primeiro: a rua toda era de terra muito irregular o risco de acidentes era grande e muito íngreme com valas nas laterais. Segundo: tinha motoristas e condutores a diferença entre um e outro fazia toda a diferença na descida. Era uma loucura quando o carro descia cheio de crianças as vezes a metade caía ficando pelo caminho ou o carro virava esparramado crianças para todos os lados, sempre estávamos com sangue, arranhões e algumas fraturas, mas ninguém queria ficar fora dessa aventura contrariando as ordens dos pais.
A outra coisa que acontecia na rua na boca da noite era as rondas chegava a juntar uns 30 a 40 moleques de várias idades para brincar, eles vinham de várias ruas. A brincadeira era duas equipes, uma tinha que prender os elementos da equipe adversária colocar num poste e ficar vigiando, o toque em qualquer parte do corpo definia que foi capturado, tinha que capturar toda equipe para a brincadeira terminar (as vezes não terminava), a turma que prendia tinha que ficar veiaco, pois, corria sempre o risco dos companheiros salvarem os presos no poste e a equipe que prendia tinha que os capturar de novo, tinha uns que ficavam escondidos até no cemitério esperando a chance de salvar os companheiros, uns se escondiam tão bem que as 10 da noites a luz era desligadas (nos anos 60 o gerador vindo de Montes Claro fornecia energia para cidade), ainda não tinha sido encontrado.
A Rua das irmãs também nas chuvas torrenciais, principalmente no verão, nos abastecia de muitas brincadeiras. As enxurradas que vinham morro abaixo eram violentas e fortes com um volume de água assustador às vezes. Pela pavimentação feita na rua permitia a água escoar para as laterais e isso fazia valas profundas e largas é aí que os meninos e as meninas nadavam de braçadas.
Fazíamos barragem utilizando barro, pedras, pau o que encontrávamos, tinha barragem forte e alta que dava para pular dentro, competíamos na construção delas e quando essas barragem estouravam ou era estouradas as outras que foram construídas mais abaixo eram demolidas tamanho impacto da enxurrada, a lama descia e alguém gritava sai de perto, mas essa lama é diferente da lama de Mariana. Nós descíamos numa tábua morro abaixo sentados surfando, isso mesmo surfávamos em Mantena, chuvas assim eram festejadas no morro das irmãs pela criançada.
Quando começou o calçamento na rua nos divertimos muito, foi uma obra longa e de qualidade que até hoje esta lá o calçamento num terreno desafiador. Ao longo da obra brincamos de várias maneiras e a medida que a obra avançava mudavamos as brincadeiras.
No início foram cavadas as valas nas laterais onde seriam colocadas as manilhas e as caixas de bueiros ai brincávamos de esconder, depois começou aparecer os montes de terras com as escavação, ai brincávamos pulando de um monte pro outro e deslizando num pedaço de papelão e por último a mais desafiadora das etapas, a etapa das manilhas.
Com a colocação das manilhas entre os bueiros se podia entrar por um bueiro e sair no outro buraco de bueiro isso dava uns 100, 200 metros de distância as vezes, eram trechos longos e escuros no olhar de uma criança, algumas descobriram a claustrofobia nas manilhas da rua das irmãs.
Então as meninas e os meninos tinham quer ser valentões e corajosos para essa proeza, se amarelasse era motivo de gozação……..hoje isso é bullying. Muitos entravam nas manilhas e no meio paravam não conseguiam ir para frente nem para trás só saíam com ajuda de amigos ou de um adulto.
Com o fim da obra a rua toda calçada sem percebermos o calçamento marcou o fim do nosso playground, o fim das nossas brincadeiras coletivas e sadia na rua das irmãs. Somos como esse calçamento as lembranças estão encaixadas pavimentando as memórias de nossas vidas até hoje.
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