“A noite girava em torno do cinema, era o cinema que dava vida e razão daquele sucesso de público e de crítica nos noticiários do boca a boca que rolava. Imaginem quantos assuntos, quantos suspiros, quantos temas, quantos sonhos, quantas fofocas passava pelas bocas das milhares de pessoas nesse ir e voltar. Era sensacional essa passarela, era um desfile de tudo e de todos da cidade naquela pequena faixa, era glamoroso esse trecho da Avenida!”
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Nos anos 60,70 em Mantena num pequeno trecho da Avenida Presidente Vargas ( hoje Avenida José Mol), era a nossa faixa de gaza, ao pisar ali começa para a maioria uma batalha, a da conquista. Em um extremo estava o Bar da Tia Rosa no outro extremo o posto de gasolina , onde tinha relojoaria do Tassis ao lado, com certeza era a trecho mais movimento do planeta naquela hora.
A Time Square para mim não chegava perto do que era as noites em Mantena. Acesso livre qualquer pessoa podia ir caminhar e se misturar, mesmo pessoas de fora da cidade chegavam chegando e logo logo toda avenida comentava: viu? É de fora! Tinha muitas paqueras, acho que era o que mais tinha em várias faixas etárias e somente 2 cavaletes com uma placa em cada extremidade escrito “trânsito interrompido ” era responsável por isso, pelo glamour e murmurinho de gente andando de um lado pro outro por mais de 3 horas, hoje se paga academia para andar bem menos.
Quando eu estava produzindo o filme CONTESTADO A GUERRA SEM TIROS entrevistando a dona Sani Machado ela comentava que nos anos 50 as pessoas iam fazer a avenida, caminhar de um lado pro outro mas antes de escurecer iam para casa, a rua era de terra em frente a Igreja Matriz de Santo Antônio “tínhamos de ir para casa cedo, como não tinha luz não era seguro ficar na rua” e “todos tinham um revólver aqui em Mantena”, complementou o seu Nêgo Machado esposo da dona Sani”.
O tio Archimedes me disse que em 59 comprou o cinema e veio morar em Mantena aconselhado pelo irmão o tio Fernandinho, que viu uma oportunidade para o irmão pois o cinema era recém construído estava a venda. O tio Archimedes era militar e nunca mexeu com cinema, tinha dado baixa e procurava o que fazer em Belo Horizonte onde morava. Aceitou o convite do irmão e chegou em Mantena com uma mala cheia de oportunidades, o resto é lenda, olhando a trajetória de vida dessa família maravilhosa criada dentro de um cinema.
O tio me disse que queria fazer sessões a noite mas a falta de luz era um impedimento para as pessoas saírem de casa, era escuro. Ele tinha um gerador e teve a ideia de colocar por conta própria 4 postes com lâmpadas na frente do cinema justamente nesse trecho da Rua o prédio do Cine Teatro Império fica praticamente no meio da avenida é a linha do equador do Mantena, as lâmpadas eram desligadas depois das sessões.
Aí começou a atrair as pessoas para caminhar com segurança entre as sessões noturnas justamente nesse trecho criando um hábito, foi o primeiro pedaço de rua com iluminação em Mantena, essa herança de caminhar chegou até nós nos anos 60 com luz.
A noite girava em torno do cinema, era o cinema que dava vida e razão daquele sucesso de público e de crítica nos noticiários do boca a boca que rolava. Imaginem quantos assuntos, quantos suspiros, quantos temas, quantos sonhos, quantas fofocas passava pelas bocas das milhares de pessoas nesse ir e voltar. Era sensacional essa passarela, era um desfile de tudo e de todos da cidade naquela pequena faixa, era glamoroso esse trecho da Avenida!
Tinha todo um cenário ao longo da Avenida, na bilheteria do cinema ficavam as minhas primas as irmãs Zé, Yeye e Rogéria, o Joaquim ficava na bilheteria e tio Archimedes ficava dentro com a lanterna junto com o seu Odair, aliás figurinhas carimbada do Cine Teatro Império e na calçada do cinema sempre tinha 2 filas, uma para comprar ingressos a direita e outra para entrar a esquerda, a fila crescia como uma cobra e chegava até o Bar da Tia Rosa, não tinha lugares marcados, ia entrando e escolhendo onde sentar, entrar primeiro podia escolher a cadeira, mas dentro do cinema é outra história… Vamos voltar para Avenida.
Tinha os trocadores de figurinhas, de revista, pipocas, pão com carne moída, o Bar da Tia Rosa esse era o mast um entra e sai o tempo todo, estava sempre cheio sem lugar para sentar, os pedidos na maioria era cigarros, cerveja ou vaca preta, tinha que pedir em pé mesmo e no caixa do bar nada mais nada menos que os irmãos Beto e Dario Baguera (Bagierri).
Depois de umas 5 idas e vindas as pessoas davam uma pescoçada no Bar da Tia Rosa e voltavam para a pista . Acho que eu e muitos da minha geração fomos crescendo ali nesse trecho da Avenida, desde de pequeno aprendi a gostar de caminhar com minha mãe, tias, irmã, primas, as vezes os pequenos era levados como álibis para os pais deixarem as filhas irem caminhar na Rua do Cinema, era uma paquera a céu aberto com estrelas e muitas testemunhas em volta.
Comecei a caminhar ainda menino, sem perceber já tinha caminhado tanto que virei moleque, depois pré-adolescente, depois adolescente, depois rapaz e de tanto que caminhei me tornei homem e ai me apaixonei entre essas idas e vindas da Avenida.
Sonhos! Acho que era isso que a Avenida significava! As mulheres com suas melhores roupas, imaginem a produção e a combinação entre elas, o que vestir, copiavam e faziam as roupas da moda, qual batom? Qual sapato? Isso tudo sem telefone ouviram bem? Cada menina tinha suas amigas e andavam de braços dados com sua tribo quando chegavam até o final no cavalete “trânsito interrompido” davam meia volta volver, como lembrou meu amigo Vagner, elas só destrocava os braços e voltavam.
Na caminhada da volta torciam para o paquera também voltar na mesma direção. Se podia calcular em que altura da rua iam se cruzar novamente …..eram muitas emoções, muitas adrenalinas e muitos hormônios no ar. As vezes você passava e a pessoa que estava esperando, sumia, era muita gente pra lá e pra cá, ai mudava a direção pensando que ela foi pro meio da rua ou foi pra outra calçada? As vezes as pessoas que você esperava vê na volta não vinha porque entrava pro cinema ou ia pro Bar da Tia Rosa, ou deu a hora tinha que voltar para casa se não corria o risco de um cartão vermelho por desobediência e tomar um mês de suspensão e não tínhamos VAR para recorrer tanto as meninas e os meninos ou ainda podia ser que a pessoa queria fugir mesmo de você.
Ali era um lugar bom para fugir das pessoas de tanta gente que tinha, teve gente que perdeu a paquera ou amor de sua vida entre uma volta e outra e até hoje não o encontrou. Os homens também tinham seus rituais, não andavam de braços dados, mas se produziam com a melhor roupa, houve tempo que até brilhantina no cabelo usavam, combinavam entre eles quem ia paquerar quem, ou achava que fulana estava de olho nele. Mapeávamos também as rotas, as vezes para ajudar o amigo na busca de sua conquista, mas tinham umas garotas atentadas de sapecas que elas mudavam de calçada sem avisar e esperava para vê se o paquera sentia a falta delas, deixava os caras sem rumo, era um desespero ai tinha que mudar de faixa para vê se tinha sorte e achar a paquera.
Quando os olhos se cruzavam de novo era só alegria nos olhares e o coração batia ali mesmo no meio de um mundo de gente acanhado para não dar muito na pinta. Nas trocas das sessões era um alvoroço um dilúvio de gente, gente que saia da sessão das 19 horas e vinham para a Avenida caminhar e gente que ia para a sessão das 21 horas , era um movimento sincronizado como num formigueiro, maravilhosamente orquestrada pela música de fundo do Cine Teatro Império.
Essa trilha sonora do cinema do tio Archimedes era tudo de bom e virou o marketing do negócio uma hora antes de começar os filmes as músicas de Aguinaldo Timóteo, Roberto Carlos, etc….chegava nos quatros cantos da cidade do Emílio ao seu leite, do Margoso a Vila Nova. Mas tinha uma música chave ela anunciava que a sessões ia começar, a musica era o TEMA DE LARA do filme Dr. Givago.
Essa música era batata, corre que quando ela acabar o filme vai começar demorava 2,09 minutos foi produzido em 1965 e grande sucesso de bilheteria, fonte viva do meu irmão Geraldo Alvim. Lá em casa tinha a Suely uma funcionária que quando resolvia ir ao cinema, ela se orientava pelos autofalantes e ao ouvir o tema de Lara podia estar fazendo qualquer tarefa que ela largava e corria morro abaixo para não perder o início do filme, deixou muitas vasilhas por terminar.
Quando começava o filme os alto-falantes eram desligados e a trilha que predominava em alto é bom som era a falação do povo que ia e voltava milhares de vezes naquele pedacinho de Avenida. Pensa que acabou? Acabou não! A avenida era inundada novamente, uma verdadeira enxurrada de gente que voltavam para a rua pelas duas saídas do cinema drenando a avenida, no final da última sessão e os corações que ficaram esperando o filme acabar tinham mais uma chance de sonhar.
Com certeza milhares de casamentos, namoros, amizades em Mantena se fizeram caminhando nesse trecho mágico da Avenida em frente ao Cine Teatro Império, as pessoas que viveram esses momentos ficaram presas num filme de recordações sem “The End”.
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