“Era baixinho que o Aristides falava com a boca colada na janela….netinnnnnnnn, era a senha, eu já estava pronto e ansioso no quarto esperando aquela voz do Tidi e com todo cuidado abria a janela para meus pais não ouvirem e pulava a janela em silêncio me juntando a romaria que ia em direção ao sinistro cemitério. Jogávamos 10 minutos ou 2 gols e o pau comia na pelada, não sei como mas jogávamos silenciosamente a pelada (na medida do possível).
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Neto Mendes relembra com “pitadas sarcásticas” das peladas no amanhecer na antiga Quadra do Colégio Castro Alves de Mantena
Cineasta Cloves Mendes (Neto)
Nos anos 68 ou 69…? Os relógios de várias casas do Mantena soavam suas campainhas às 5 horas da manhã mais ou menos. Não sei qual era o comando ou senha para convocar uma turma tão grande e diversa às 5 da manhã e todos ficavam em transe com o horário, era uma quase perfeita sincronização.
Certo mesmo era que não tínhamos tv, telefone, celular, Internet, redes sociais, grupo de WhatsApp, influencie e o escambal. O papo era reto e direto nas ruas e funcionava quando se tratava das peladas. As meninas do Mantena sempre estavam por perto prestigiando e fazendo partes das peladas, mas dessas, peladas elas não participavam.
Todos mantenenses que viveram os anos 60 sabe que a cidade produziu jogadores espetaculares em todas posições tanto no gramado quanto nas quadras. A avidez dos garotos em Mantena de correrem atrás de uma bola era visceral, PELADA era uma palavra mágica, bastava falar vamos fazer uma pelada, vamos para uma pelada e isso criou uma cultura futebolística nas cabeças e nos pés dos moleques.
Tínhamos muitos torneios com muito público prestigiando nas quadras e no Volante, tínhamos também nossos ídolos mantenenses como referência; craques como Paulinho dos correios, Ledir, Tijuca, Klebinho, Tatão, Passarinho e muitos outros. A ponto da família do Fonso Jorio criar o Xanadu era um espaço na época que se tornou objeto de desejo de uma geração. Pisar naquele espaço e jogar lá era a glória.
O futebol estava no sangue dos Jorios o Ari Jorio jogou no Botafogo e o nosso Fonso passou por vários clubes onde jogou e conheceu vários cracaços na sua carreira, só cito o Pelé! E porque tanto Jorio nessa resenha? Porque pelo que me lembro era o Beto Jorio (ele sempre estava vestido de preto: calção, blusa de mangas compridas, meião e luvas , hoje isso é uma redundância), e o Aristides que também já era um Jorio, eles comandavam todo o movimento em direção ao morro, eles saiam de casa às 5 e pouco da manhã com uma bola de futebol de salão de baixo do braço em direção a quadra do colégio no morro, acho que o diretor na época era o Frei César (?).
Aqui vai um parêntese muito especial nessa história, não sei quem teve a ideia, mas o argumento convenceu a todos e se espalhou pela cidade que vinha gente dos quatros cantos e chegavam praticamente todos juntos. Era sabido que das 5 às 6 e pouco os padres e as irmãs fazem seus retiro espiritual em jejum para depois se alimentarem, então a quadra estaria livre para mais de 15 ou 20 moleques jogarem o verdadeiro futebol raiz, era puro prazer e diversão essas peladas, não podia ser diferente às 5 da manhã e dependendo do mês era muito frio para sair da cama….mas pela pelada valia.
Em nenhum lugar no mundo naquela época se fazia isso, só no Mantena! Eu morava numa casa na esquina bem perto da quadra e o povo ia engordando a procissão a medida que subiam o morro caminhando num silêncio sepulcro em direção a quadra, acho que era um pacto com as almas penadas pois ainda era escuro e a entrada era pelo cemitério, ou seja era uma pelada do terror. O meu quarto dava para a rua da quadra eu era quase o último a me juntar ao bando. Era baixinho que o Aristides falava com a boca colada na janela….netinnnnnnnn, era a senha, eu já estava pronto e ansioso no quarto esperando aquela voz do Tidi e com todo cuidado abria a janela para meus pais não ouvirem e pulava a janela em silêncio me juntando a romaria que ia em direção ao sinistro cemitério.
Era tão sincronizado os movimentos que o tempo de entrar na quadra escondidos e dividir os times era o tempo suficiente para a noite ir se desfazendo em dia, bastava o mínimo de claridade para vê a bola e a peleja começava com 3 a 4 times as vezes. Jogávamos 10 minutos ou 2 gols e o pau comia na pelada, não sei como mas jogávamos silenciosamente a pelada (na medida do possível).
Era tudo pelo futebol, mas não combina, porque futebol se joga com gritos. Acho que muitos filhos saiam escondidos dos pais pelo horário e pelo fato de ser uma coisa errada, no mínimo invasão a propriedade. E todos ali tinham compromissos, muitos estudavam às 7 h, outros trabalhavam com os pais ou no comércio (Imagina vocês como era o banho e o café de cada um com poucos minutos para isso).
De repente uma ordem vinha do além e terminava a pelada em questões de segundos e de forma sincronizada e misteriosa sumia a bola e os jogadores a quadra ficava vazia como se nada tivesse acontecido ali. Literalmente a quadra ficava pelada, totalmente nua em silêncio.
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